O Medicamento Homeopático no Serviço Público de Saúde

RESUMO:

Cesar AT. O medicamento homeopático nos serviços de saúde. São Paulo; 1999. [Tese de Doutorado – Faculdade de Saúde Pública da USP].

O presente trabalho tem por objetivo estudar e descrever experiências de fornecimento de medicamento em serviços de saúde para oferecer subsídios para formulação de políticas, contornando possíveis dificuldades que possam prejudicar a implantação ou a manutenção do atendimento médico homeopático nestes serviços, e fornecer elementos para incrementar a implantação da Homeopatia, por meio de propostas para o medicamento, que tornem mais fácil e possível o desenvolvimento dos programas. Foi desenvolvido um estudo piloto, que mostrou uma grande diversidade nas prescrições. A seguir, foram selecionados outros serviços, com características diversas, e estudada a frequência e apresentação dos medicamentos homeopáticos, através de visitas, entrevistas, cópias de prescrições e análise de fichas clínicas. Discute-se o enquadramento da Homeopatia quanto aos requisitos para inclusão em lista de medicamentos essenciais, assim como pontos dificultadores de sua implementação. Conclui-se que a Homeopatia preenche os critérios necessários para sua adoção pelo sistema público; o fornecimento do medicamento homeopático deve ocorrer, financiado pelo custeio coletivo, através de estoque de medicamentos, farmácia estabelecida no local do atendimento médico ou ainda conveniada, próxima ao serviço; é possível montar uma relação básica com um número limitado de medicamentos, com potência, escala, forma farmacêutica e posologia definidos, para atendimento de diversas patologias, inclusive crônicas; dados disponíveis através de fichas clínicas bem elaboradas são ferramenta importante para a pesquisa; a comprovação de eficácia clínica deve ser melhorada.

Descritores: Homeopatia. Medicamento homeopático. Homeopatia nos serviços de saúde

SUMMARY:

Cesar AT. O Medicamento homeopático nos serviços de saúde. [The homeopathic medicine in health services]. São Paulo (BR); 1999. [Tese de Doutorado-Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo].

The aim of this study is to investigate and to describe experiments of medicine supplying in health care services, to offer subsidies to the formulation of politics, preventing possible difficulties that may prejudice the implantation or the maintenance of the homeopathic medical care in these services, and to provide elements to develop the implantation of Homeopathy, by means offering proposals for the medicine, that make easier and more possible the development of the programs. It was developed a test study, which showed a wide diversity of prescriptions. Other services, with distinct characteristics, were selected and studied the frequency and presentation of homeopathic medicines, by means of visits, interviews, copy of prescriptions and analysis of clinical files. The fitness of Homeopathy to the requirement to the inclusion of the remedies in an essential remedy list was discussed, as aspects that become its implementation more difficult. It was concluded that Homeopathy fills the necessary standards for its adoption by the public system; the supplying of the homeopathic remedy should happen, financed by collective disbursement, by means of a stock, establishment of a local pharmacy, or settled by convention, near to the service; it is possible to determine a basic relation with a limited number of medicines, with defined potency, scales, pharmaceutical form and posology to attend several pathologies, including the chronic ones; available information coming from well elaborated clinical files are an important tool for research; the comprovation of clinical efficacy must be improved.

Descriptors: Homeopathy. Homeopathic medicines. Homeopathy in health service.

I. Introdução:

A Homeopatia é uma terapia médica oficial, inserida no sistema de saúde brasileiro. Para que o atendimento médico homeopático tenha sucesso, é necessário que, além do atendimento médico, haja ainda disponibilidade do medicamento homeopático para a população. Sem os medicamentos necessários, o atendimento da população fica incompleto, e o trabalho do clínico foi inútil. Por fornecermos medicamentos para alguns serviços médicos homeopáticos, ressarcidos integralmente ou não, ou até mesmo de forma gratuita, tínhamos curiosidade por realizar um levantamento e documentação desta situação, tão oposta daquela da medicina clássica. Nesta, os medicamentos podem até faltar, porém existem programas de atendimento à população.

Outro ponto a ser considerado, já anteriormente percebido, tanto pela prática no atendimento farmacêutico em farmácia homeopática, como de trabalhos anteriormente realizados (11,12), é que existe uma grande diversidade nas prescrições homeopáticas. Diferentes medicamentos, escalas, métodos, potências e posologias, podem dificultar a previsão dos medicamentos necessários para um atendimento básico a determinada população.

Esta contraposicão, entre a disponibilidade dos medicamentos “versus” a diversidade das prescrições, é um fato de difícil operacionalização, pois para haver disponibilidade, a base de prescrição de medicamentos tem que ser restrita.

II. Objetivos:

A partir destas idéias anteriormente concebidas, elaboramos um trabalho acadêmico, com os objetivos de:
• estudar e descrever experiências de fornecimento de medicamentos em serviços de saúde;
• oferecer subsídios para formulação de políticas de medicamentos homeopáticos para os serviços públicos de saúde, contornando possíveis dificuldades que possam prejudicar a implantação ou a manutenção do atendimento médico homeopático nestes serviços;
• fornecer elementos para incrementar a implantação da Homeopatia, por meio de propostas para o medicamento, que tornem mais fácil e possível o desenvolvimento dos programas.

III. Metodologia:

Para atingir estes objetivos, era necessário documentar diversas situações de atendimento médico homeopático. Como isto poderia ser feito? Foi decidido realizar uma visita-amostra, ao Centro de Saúde Escola Geraldo Paula Souza, localizado na própria Faculdade de Saúde Pública da USP e que conta com atendimento médico homeopático.

Dentre as vantagens estava a proximidade, não exigindo deslocamentos, e a aceitação de que a pesquisa se realizasse em suas dependências. Este centro de saúde está inserido na cidade de São Paulo, em bairro central, e tem características urbanas e cosmopolitas. Provavelmente pelo próprio fato de tratar-se de uma centro de saúde-escola, está bem estruturado, apresentando uma fragilidade menor.

Foi possível fazer um estudo de todas as prescrições elaboradas pelos 3 homeopatas, que atendiam no local, durante dois meses. Este estudo ocorreu através da análise de cópias das prescrições, obtidas durante a dispensação, seus resultados permitiram que fosse criado um modelo, ainda que não absoluto, para a pesquisa de outros serviços.

E quais seriam estes outros serviços? Como se deu a escolha? Era importante que fossem estudados o maior número possível de serviços, para que surgissem características diferentes, porém dentro das possibilidades de deslocamento ou de permissão de obtenção de informações. Sabemos das dificuldades dos registros dos serviços de saúde que oferecem tratamento homeopático. Além disto, durante a fase de busca de locais, outras questões apareceram como: “na prática, o serviço funciona mesmo?”, “quantos médicos atendem à população?”, “existe procura?”, “há uma certa estabilidade?”

Assim foi ampliado para um novo universo, que passou a incluir:

• o Centro de Terapias Alternativas do Posto de Saúde Municipal “Agostinho Neto”, em Itu, no estado de São Paulo;
• a Policlínica de Brumadinho, município localizado na Grande Belo Horizonte, em Minas Gerais;
• Centro de Saúde de Santo Amaro da Imperatriz, próximo a Florianópolis, em Santa Catarina;
• Ambulatório médico da IAKAP, instituição localizada em Guarulhos, Grande São Paulo;
• Ambulatório municipal de Homeopatia de Campinas, no estado de São Paulo;
• Programa de Fitoterapia e Homeopatia da Prefeitura de Ribeirão Preto, no estado de São Paulo;
• Centro Homeopático de Saúde Pública de Dourados, Mato Grosso do Sul;
• Ambulatórios da Associação Paulista de Homeopatia, na cidade de São Paulo;
• Farmácias homeopáticas da cidade de São Paulo.

Como foram obtidas as informações nos diversos serviços? No QUADRO 1 abaixo podemos visualizar se houve ou não visita ao local, se houve entrevista com o responsável pelo serviço médico e/ou farmacêutico, se as informações foram enviadas por correio, fax ou internet, se houve acesso às prescrições emitidas pelos prescritores dos serviços, se houve acesso às fichas clínicas, se os medicamentos são pagos pelos pacientes, se existe medicamento disponível no local e ainda se há convênio com alguma farmácia homeopática, onde os pacientes recebem o medicamento sem ônus ou com descontos.

QUADRO 1: caracterização do método utilizado no estudo dos locais de atendimento médico homeopático ou de aviamento de receituário homeopático.

ServiçosVisitaEntrevistaCorreio, faxAcesso receitasAcesso fichasMedicamento gratuitoMedicamento no localConvênio farmácia
CSE-GPSXX-X-X -X
ItuXXX- X- -X
Brumadinho-X X--XX-
Santo Amaro XXX--XX -
IAKAPXXX--XX X
CampinasXX---X-X
Rib Preto-X---XX-
Dourados-XX--XXX
APHXX--X- -X
Farmácias SPX- XX----

X significa resposta afirmativa

Durante a coleta nos diversos locais foi possível perceber que os serviços públicos são, de modo geral, pouco organizados, inclusive em relação às informações disponíveis. Existe dependência da intencão e da orientação de quem está fazendo a implantação, geralmente um médico homeopata, que precisa de uma solução para o medicamento, geralmente relacionada à boa vontade de farmácias locais, para o fornecimento gratuito ou com preço reduzido, dos medicamentos.

IV. Análises e Resultados:

IV.1 – O Centro de Saúde Escola Geraldo Paula Souza (CSE-GPS): a visita-amostra.

Nesta visita-amostra, foi feita uma entrevista com o médico sanitarista diretor técnico do Centro de Saúde, na presença de farmacêutica responsável pelo atendimento dos medicamentos, sendo possível obter uma visão geral sobre o Centro de Saúde e de como estava se desenvolvendo o atendimento em Homeopatia. Estas informações foram complementadas com análises extremamente úteis de MOREIRA NETO(25,31)

Este Centro de Saúde foi o primeiro a ser fundado na América Latina. Atende a uma região com população de 187.000 residentes. Seus matriculados são provenientes de duas categorias: residentes e trabalhadores da área, além de funcionários, professores, alunos, dependentes e agregados da Faculdade de Saúde Pública.

A farmácia do Centro de Saúde atende às prescrições médicas com medicamentos fornecidos pela Central de Medicamentos (CEME), Fundação para o Remédio Popular (FURP) e alguns adquiridos diretamente a partir de laboratórios e distribuidoras.

Na época da entrevista, em 1996, o serviço médico homeopático já existia há cerca de um ano. Seus objetivos eram o atendimento de pacientes, a pesquisa e o ensino. Contava com 2 médicos homeopatas que atendiam, cada um deles, durante 3 períodos de 4 horas (ou seja, 12 horas por semana), e um médico estagiário ou residente. Em cada período eram atendidos 2 casos novos e 4 retornos. Haviam passado pelo serviço de Homeopatia cerca de 200 pacientes.

No segundo semestre de 1995 foram realizadas 458 consultas homeopáticas. A média de atendimento era de 3 consultas por período de 4 horas (26).

Para solucionar o fornecimento de medicamentos homeopáticos foi feito um convênio informal com farmácia homeopática, próxima ao Centro de Saúde. A prescrição era feit1 em duas vias. Através deste convênio, o paciente atendido no Centro de Saúde ia até a farmácia e recebia o medicamento gratuitamente, acompanhado da primeira via da receita. Ao final do mês a farmácia enviava ao Centro de Saúde as segundas vias das receitas atendidas, sendo ressarcida por elas. Apenas os medicamentos homeopáticos eram fornecidos gratuitamente aos pacientes, porém não as essências florais ou minerais (Medicina Ortomolecular) eventualmente prescritos durante o atendimento médico.

Este convênio era considerado satisfatório para o Centro de Saúde, uma vez que o volume de medicamentos era relativamente pequeno, e os recursos suficientes para a compra, além de existir farmácia homeopática próxima. Estava, porém nos planos do Centro de Saúde, a montagem de uma farmácia no local, para manipulação dos medicamentos homeopáticos. Apesar de não haver uma farmácia de manipulação de medicamentos alopáticos, os motivos apresentados para a montagem da farmácia homeopática foi porque estes últimos medicamentos não apresentam a mesma estrutura de medicamentos industrializados. Em 1998 o convênio foi cancelado por parte do Centro de Saúde, por falta de verbas, e os pacientes passaram a não mais receber os medicamentos gratuitamente, porém apenas um desconto. Mesmo tendo que pagar pelos medicamentos, o médico consultante do serviço, afirmou, em contato pessoal, que os pacientes continuavam procurando pelo atendimento médico homeopático. Da mesma forma, pacientes de um serviço extinto do bairro do Tucuruvi (zona Norte), dirigiam-se para consultas ao CSE-GPS, retirando o medicamento, também com desconto, em outra unidade da mesma farmácia, mais próxima ao serviço.

Ainda na entrevista inicial, discutiu-se igualmente se as exigências para a montagem de uma farmácia homeopática adequada não superariam em muito a demanda gerada unicamente pelo Centro de Saúde, criando ociosidade. Cogitou-se que o ideal seria que esta farmácia fosse articulada com a Secretaria de Estado da Saúde, para possivelmente fornecer medicamentos para vários Centros de Saúde.

Um ponto a considerar é que, mesmo recebendo gratuitamente os medicamentos, em função das grandes distâncias e as dificuldades com trânsito, que existem na cidade de São Paulo, a ida até uma determinada farmácia central poderia implicar para os pacientes em gastos com o transporte, além do tempo despendido. Estes fatores podem fazer com que alguns pacientes paguem pelos medicamentos, comprando-os perto de sua casa ou local de trabalho.

Nessa ocasião foi lembrada a experiência do NAPTA (Núcleo de Atendimento e Pesquisa em Terapias Alternativas), do Centro de Saúde no Belenzinho, na Zona Leste da cidade, que já teve atendimento homeopático com oito médicos, dois acupunturistas, uma farmacêutica e farmácia homeopática no local. Informações obtidas por telefone indicaram que este serviço está hoje praticamente desativado, atendendo no local apenas um homeopata, três manhãs por semana.

Sobre a compra antecipada de medicamentos homeopáticos pelo Centro de Saúde, a resposta foi de que sendo o volume total pequeno, com grande número de itens, haveria dificuldades para um bom planejamento das compras, e o resultado seria a formação de grandes estoques, gerando prejuízos.

Uma vez que o custo para o aviamento da receita é associada à forma de prescrição do clínico, caso outros médicos – que prescrevessem de forma pluralista ou complexista, gerando portanto prescrições mais caras – viessem a atender no Centro de Saúde, poderia não ser possível continuar com o sistema de fornecimento, por falta de verbas. Caso, em vez de convênio, o Centro de Saúde contasse com estoque pré-existente de medicamentos, este poderia mostrar-se completamente inútil.

Considerando que o medicamento homeopático geralmente tinha baixo custo, o diretor do Centro de Saúde ponderou ser até possível oferecer o serviço de atendimento médico sem o fornecimento do medicamento, que na época era feito de forma indireta. Se o custo dos medicamentos aumentasse muito, o Centro de Saúde poderia não ter verbas suficientes para continuar arcando com o fornecimento.

Através do rastreamento da totalidade das receitas advindas deste serviço, aviadas na farmácia homeopática conveniada durante os meses de março e abril de 1996, foi feita uma listagem. Desta forma foi possível ter uma idéia de como eram as prescrições médicas, ainda que elas pudessem conter alterações sazonais. Foram analisadas 126 receitas em relação à quantidade e o tipo dos medicamentos prescritos, suas associações, forma farmacêutica e posologia. O aviamento dessas 126 receitas (45 do mês de março e 81 do mês de abril), gerou 176 frascos de medicamentos (60 em março e 116 em abril), o que significa uma média de 1,4 frascos de medicamentos de todos os tipos por receita.

Resumindo os resultados, encontramos 80,5% das prescrições apenas com medicamentos homeopáticos, sendo que dentre estas, 80,7% delas continham apenas um medicamento, em potência única. Durante o período, foram prescritos 50 diferentes medicamentos, sendo que 10 deles atenderam a 51,3% das prescrições e 15 atenderam a 70%. Em 77% das prescrições foram encontradas as potências 6, 9, 12, 18 e 30CH; 71,7% delas solicitavam a forma líquida e também 71,7%, doses múltiplas.

Nossos resultados foram comparados com aqueles obtidos por MOREIRA NETO (99), percebemos que houve coincidência em 8 das 10 substâncias mais prescritas, assim como quanto às potências, forma farmacêutica e posologia mais prescritas. Comparando com dados obtidos 10 anos antes, na mesma farmácia, a partir de receitas aviadas durante dois meses porém provenientes de diversos médicos homeopatas, na sua quase totalidade atendendo em suas clínicas particulares, os resultados foram diferentes, sendo que na amostra anterior foram encontrados uma maior proporção de glóbulos (77,8%), mais doses repetidas do que doses únicas (55% e 45% respectivamente) e uma coincidência de 7 dos 10 medicamentos mais prescritos (40).

IV.2 – O Centro de Terapia Alternativa (CTA) do Posto de Saúde Municipal “Agostinho Neto”, em Itú

O Centro de Terapia Alternativa do Posto de Saúde Municipal “Agostinho Neto” localizado Itú, SP, à época da visita ao serviço, contava com atendimento médico homeopático diário, constituindo a equipe de uma coordenadora, 5 médicos homeopatas e 2 médicos acupunturistas. Os homeopatas atendiam a 6 consultas por período (1 paciente novo e 5 retornos), mais 1 ou 2 casos de intercorrência de pacientes já em atendimento rotineiro.

A Normatização Farmacêutica da Prefeitura de Itú não incluía medicamentos homeopáticos. Para estabelecer um convênio, todas as farmácias foram visitadas e verificadas sua estrutura e a manipulação; percebeu-se que havia uma deficiência no contato entre farmacêuticos e médicos, e que estes tinham dúvidas na hora de prescrever.

Foi feito então um convênio, formal e documentado, com a Farmácia Lírio D’Água, que possibilitava o fornecimento gratuito para os pacientes carentes (receitas carimbadas como “convênio social”). Seu estoque era limitado, e medicamentos não abrangidos, eram fornecidos após alguns dias. Frascos de medicamento vazios, devolvidos por pacientes, eram lavados no próprio Centro de Saúde, por uma auxiliar: cada 4 frascos, valiam um novo medicamento. A farmácia vinha doando medicamentos mesmo antes deste convênio, quando foi feita uma campanha para que a população trouxesse frascos vazios de medicamentos.

A Farmácia atendia a prescrições de organoterápicos, minerais quelados, cremes, pomadas, fitoterápicos (cápsulas, chás, tinturas). Medicamentos alopáticos eram retirados no Posto de Saúde.

As informações sobre os medicamentos indicados aos pacientes do Centro de Saúde vieram da cópia das folhas do caderno onde estavam as anotações de 128 prescrições aviadas pela Farmácia Lírio D’Água, durante 18 meses, aos pacientes carentes encaminhados pelo serviço. Nestas, 78,1% apresentavam prescrição de apenas medicamentos homeopáticos, sendo 68,1% de medicamento único, em potência única. Foram 43 diferentes medicamentos, sendo que 10 deles atenderam a 60,1% das prescrições. As potências mais prescritas foram a 6, 12, 30 e 200CH (71,2% das vezes). A forma farmacêutica preferida foi a líquida (67,1%) aparecendo apenas 7,5% de doses múltiplas.

Observando que o medicamento mais prescrito, para os pacientes que aviaram suas prescrições na Farmácia Lírio D’Água, foi Baryta carbonica, e sabendo que este é um medicamento pouco usual, deduzimos que os dados encontrados podiam não ser representativos para o universo dos pacientes atendidos pelo serviço médico homeopático do Centro de Saúde de Itú. Considerando que todas as receitas aviadas gratuitamente naquela Farmácia eram para pacientes carentes, pudemos perceber que os 11 frascos de Baryta carbonica prescritos em diferentes receitas, foram, na verdade, aviados para apenas 3 pessoas. Esta repetição pode ser explicada exatamente porque sempre os mesmos pacientes carentes dirigiam-se à mesma farmácia e tinham seus medicamentos aviados e anotados. Caso estes indivíduos fossem pacientes assíduos no serviço médico, seus medicamentos seriam responsáveis por uma porcentagem relativamente grande de indicação daquelas substâncias. Se a farmácia atendesse e anotasse indistintamente as prescrições aviadas para todos os pacientes, provavelmente esta concentração de freqüência de um medicamento geralmente pouco utilizado não ocorreria.

Para testar esta hipótese foi necessário voltar ao Posto de Saúde de Itú, e, a partir das informações contidas nas fichas dos pacientes, realizar uma amostragem do universo total.

Na época do estudo atendiam no CTA 5 homeopatas e haviam 2040 fichas de pacientes. Decidiu-se então fazer uma amostragem de 100 fichas, sendo estudadas a de número 1, 20, 40, 60, etc. Na totalidade das prescrições destas 100 fichas, foram encontrados 802 frascos, sendo 86,3% de medicamentos homeopáticos, 86 diferentes medicamentos, sendo que 10 deles atendiam a 54,4% das prescrições e agora a Baryta carbonica não aparecia mais entre eles. As potências 6, 7, 12, 18, 30, 200CH e 10MFC foram solicitadas em 76,2% das prescrições, e as formas farmacêuticas e posologia não estavam disponíveis nas fichas clínicas.

IV.3 – Brumadinho

Brumadinho é uma cidade pertencente à Grande Belo Horizonte, Minas Gerais. Em 1991 o atendimento clínico ambulatorial do Centro de Saúde da cidade era realizado por 4 médicos, sendo 3 deles, por acaso, especializados em Homeopatia. Com o apoio da Secretaria de Saúde, estes médicos decidiram elaborar o projeto de implantação do ambulatório de Homeopatia no Serviço Público de Saúde de Brumadinho (18).

Através de cópia do livro de registro da farmácia homeopática do Posto de Saúde, onde atendiam 3 homeopatas, pode-se estudar as receitas prescritas a 578 pacientes, que englobavam prescrições de médicos externos ao Posto.

As prescrições geraram 1360 frascos, sendo 74,8% deles homeopáticos. Foram prescritos 99 diferentes medicamentos, sendo que 10 deles atenderam a 43,2% das receitas. As potências 6, 12, 30, 40, 200 e 1000FC foram solicitadas em 78,8% das prescrições. A quase totalidade foi de doses múltiplas (96%) e a maioria em glóbulos (75%).

Infelizmente, este serviço, que contou com homeopatas e farmácia homeopática própria, foi totalmente desmontado após 2 anos, cessando a marcação de consultas homeopáticas.

IV.4 – Santo Amaro da Imperatriz

A Homeopatia foi introduzida na rede do Serviço Público de Saúde, no Município de Santo Amaro da Imperatriz, com cerca de 20.000 habitantes, no estado de Santa Catarina, no ano de 1993, através do Serviço de Saúde do Escolar, mantido pelas Secretarias Municipais de Educação e Saúde. A população era constituída em grande parte por famílias de agricultores, e as crianças tinham uma saúde satisfatória e bom estado nutricional. As principais intercorrências eram relativas a amigdalites, otites e bronquites.

O serviço conta com manipulação de medicamentos realizado por farmacêutica contratada, e um médico homeopata. Apesar se começar pelas crianças, o atendimento podia ser ampliado para qualquer integrante da comunidade, uma vez que adultos passaram a interessar-se pelo tratamento médico homeopático após observar os bons resultados obtidos com suas crianças.

Era utilizado o tratamento médico homeopático unicista e indicado sempre o medicamento na escala cinqüenta milesimal, iniciado com a segunda potência (LM2), na forma líquida, em potências repetidas. Optou-se pela escala cinqüenta milesimal por sua rápida e segura resposta terapêutica, tanto em quadros clínicos agudos ou crônicos, como por sua praticidade na manipulação e armazenamento, associados ao baixo custo de sua produção.

Para otimizar ainda mais o custo, era solicitado que os pacientes retornassem os frascos de medicamentos vazios, para serem reutilizados.

O coordenador considerava muito mais fácil utilizar a escala cinqüenta milesimal para o atendimento em Saúde Pública. Caso um segundo médico consultante fosse contratado, e este desejasse utilizar medicamentos na escala centesimal, seria necessária sua aquisição, provavelmente em diversas potências, como 6CH, 12CH, 30CH, 200CH, 1000, 5.000, 10.000, 50.000, etc.

Até o momento da visita ao serviço, em junho de 1998, a potência máxima utilizada havia sido a LM18, sendo que possuíam em estoque 70 diferentes medicamentos. De acordo com os cálculos da farmacêutica, 30ml. de medicamento custava cerca de R$ 0,90, uma vez que recebiam frascos para reciclar.

As conclusões do coordenador eram de que a implantação da medicina homeopática no Serviço Público de Saúde tem mostrado ser uma boa solução porque:
– resgata e humaniza a relação médico-paciente;
– possibilita a implantação de atividades de Promoção de Saúde;
– melhora a qualidade e diminui o custo da assistência médica pela Rede Pública de Saúde devido ao baixo custo dos medicamentos homeopáticos, redução dos atendimentos ambulatoriais (nebulizações, etc.), diminuição dos custos com cuidados de enfermagem e de internações hospitalares (22).

IV.5 – O Ambulatório Médico Homeopático da IAKAP, em Guarulhos

Esta Instituição atende a famílias carentes, moradoras na periferia de Guarulhos. Possui uma creche e escola até a 4ª série. As crianças, assim como suas famílias, dispunham de um serviço com 3 médicos homeopatas, que atende exclusivamente de acordo com as orientações da 6ª edição do Organon, com medicamentos antipsóricos, escala cinquenta-milesimal (20). Dez deles foram responsáveis por 90,8% das prescrições do ano de 1996 (3613 frascos), sempre em doses líquidas repetidas, sendo Lycopodium prescrito em 17,6% das receitas.

IV.6 – Ambulatório Municipal de Homeopatia de Campinas

Fundado em 1989, contando com 7 homeopatas, pretendia atender a 10.000 consultas até o ano de 1998, fornecendo medicamentos gratuitamente através de farmácia conveniada, que dista cerca de 8 quadras e foi homologada pela Prefeitura através de levantamento de preços. As prescrições eram elaboradas em 2 vias: uma ficava com o paciente e a outra era enviada pela farmácia para a Prefeitura, que após alguns meses pagava à farmácia.

O sistema tinha alguns inconvenientes, entre eles demora no atendimento, mas principalmente o relacionamento entre alguns médicos e a equipe da farmácia, que acabava por suscitar dúvidas com relação à qualidade dos medicamentos. Tais problemas foram superados após algumas reuniões: a conduta passou a ser mais franca, as críticas diminuíram e a confiança aumentou.

Como não havia registro em separado dos atendimentos do Ambulatório, sabe-se, através da farmacêutica, que “os medicamentos solicitados são líquidos, até a potência 30CH, bem diversificados, sendo 1, 2 ou 3 medicamentos por receita, em doses únicas ou múltiplas”.

IV.7 – Programa de Fitoterapia e Homeopatia da Prefeitura de Ribeirão Preto

Iniciado em 1992, tem como objetivos oferecer, gratuitamente, opção de Prática Natural de Saúde à comunidade, buscando resgatar as espécies medicinais em extinção e orientar sua utilização correta, unindo o conhecimento popular à pesquisa científica, além de incentivar a utilização da Homeopatia no tratamento de saúde.

É desenvolvido em diversos locais de atendimento médico, sendo a dispensação dos medicamentos centralizada ou entregue ao paciente após 2 ou 3 dias. Existe uma lista padronizada, com cerca de 30 diferentes tipos, na forma de glóbulos, nas potências 6, 30 e 200CH, que é de difícil administração, ocorrendo faltas, sobras e devoluções.

IV.8 – Centro Homeopático de Saúde Pública de Dourados

Criado em 1984, contando com 4 médicos à época do estudo, havia atendido já a 11.000 pacientes. Trabalhava com uma lista básica com 120 medicamentos, em potências 6, 12 e 30CH, em glóbulos, administrados como dose única ou múltipla. O fornecimento era gratuito à população atendida, ocorrendo no local, após a escolha da farmácia ter ocorrido por licitação pública. Quando o médico prescrevia um medicamento que não constasse da lista, ou que tivesse acabado, o paciente teria que comprá-lo. Caso ele não pudesse pagá-lo, as farmácias costumavam fornecê-lo gratuitamente para o paciente.

Planejavam, na época da entrevista, fazer um novo inventário nos medicamentos, e uma nova concorrência pública, com a participação das 4 farmácias homeopáticas da cidade. O coordenador achava positivo que houvesse alternância do fornecimento dos medicamentos entre as farmácias. Para ele, as farmácias estavam atentas e preocupadas com a qualidade do medicamento, provavelmente pelo fato dele ser um homeopata experiente, há 30 anos na cidade, tendo feito o curso de Homeopatia em 1984 na APH e contar com o apoio da Prefeitura.

IV.9 – Os ambulatórios da Associação Paulista de Homeopatia (APH)

Por amostragem, foram levantadas 79 fichas clínicas dos 232 pacientes atendidos entre agosto e novembro de 1998. Estudando suas fichas, chegou-se a 1360 frascos prescritos, dos quais 90,8% eram de medicamentos homeopáticos. Foram solicitadas 126 diferentes substâncias, sendo que 10 delas atenderam a 62,5% da prescrições. Foi surpreendente encontrar 39,8% dos medicamentos prescritos na escala LM, porém praticamente todas as solicitações eram provenientes de apenas um ambulatório2, que atendia a um grande número de pacientes. Em relação às potências mais prescritas, foram elas a 6, 12, 30, 200, 1000, 10M e 50M. Não aparece potência LM porque houve uma grande dispersão entre as diversas dinamizações.

Assim como no estudo do CTA de Itú, aqui também encontramos dificuldades para obter informações nas fichas clínicas, nem sempre legíveis, ou incompletas. Assim, 25,7% delas não especificava se a dose era única ou múltipla, assim como a forma farmacêutica que foi prescrita.

Existe hoje um convênio informal com as farmácias homeopáticas cujos proprietários participam da disciplina de Farmácia da APH, de forma que qualquer paciente que não disponha dos recursos financeiros para adquirir os medicamentos prescritos em qualquer dos ambulatórios, possa recebê-los gratuitamente. Não há ressarcimento às farmácias.

IV.10 – Estudo de uma amostra de prescrições obtidas em 9 farmácias homeopáticas da cidade de São Paulo

Após estudar os medicamentos prescritos em diversos serviços, pareceu-nos interessante verificar como seriam aqueles provenientes de uma amostra aleatória de médicos homeopatas da cidade de São Paulo. Foram então estudadas prescrições obtidas em 9 farmácias homeopáticas de diferentes bairros (6 delas da mesma empresa), obtendo dados a partir de uma clientela aberta, de demanda livre, que dirige-se a determinada farmácia livremente (12).

Através de uma máquina de fax, foram copiadas todas as prescrições clínicas que chegaram às farmácias, perfazendo lotes de no mínimo 20 prescrições seqüenciais por estabelecimento. As prescrições foram classificadas em relação ao medicamento prescrito, forma farmacêutica, dose única ou repetida, potência e método de preparo dos medicamentos.

Foram relacionadas 211 prescrições, emitidas por 112 médicos. Estas 211 prescrições geraram 277 frascos de medicamentos. Uma vez que houve a prescrição de medicamentos compostos por diversas substâncias, as 211 prescrições contiveram 371 substâncias no total, sendo 138 diferentes substâncias.

Resumindo os resultados foram 138 diferentes medicamentos, sendo que 10 deles atenderam a 34,8% das prescrições. As potências 6, 12, 30, 200 e 1000 atenderam a 75,6% das receitas; 54,8% delas solicitavam doses múltiplas e 50,9% medicamentos na forma líquida.

IV.11 – Comparação entre os diversos serviços, em relação ao tipo de fornecimento dos medicamentos

Ocorreram alterações na situação de fornecimentos dos medicamentos, quando comparamos os dados encontrados na época do estudo, com a situação do final de 1998. Um resumo desta situação pode ser observado no QUADRO 2, abaixo:

QUADRO 2: comparação entre a situação de fornecimento dos diversos locais estudados, na época do estudo e no final de 1998.

LOCALTIPO DE FORNECIMENTO NA ÉPOCA DO ESTUDOSITUAÇÃO ATUAL
(*) OU FINAL DE 1998
CSE-GPS (FSP USP)Pacientes retiravam gratuitamente, em farmácia conveniada, em outro localDesconto na farmácia conveniada
Itú, SPPacientes carentes retiravam em farmácia em outro local; gratuito para carentes Pacientes devem comprar os medicamentos (*)
Brumadinho, MGFarmácia no local, com farmacêutico manipulando os medicamentosO serviço foi fechado.
Santo Amaro da Imperatriz, SC Farmácia no local, com farmacêutico manipulando os medicamentos.Inalterada.
IAKAP, Guarulhos, SPTodos os pacientes recebem os medicamentos, doados por farmácia localizada em outro local. Mantinha estoques.Paciente retorna para receber o medicamento.
Campinas, SPPacientes retiram gratuitamente em farmácia conveniada, em outro local. Inalterada (*)
Ribeirão Preto, SPCompra antecipada, dispensação gratuita e centralizada em um dos locais de atendimento.Inalterada (*)
Dourados, MSCompra antecipada, dispensação gratuita e centralizadaInalterada (*)
APH, São PauloPaciente compra onde quiser. Farmácias doam medicamentos para carentes.
Farmácias cidade SPFarmácias comerciais onde o paciente compra o medicamento prescrito.Inalterada.

TABELA 1: comparação entre os resumos dos medicamentos mais prescritos nos diversos serviços de atendimento médico homeopático estudados.

IAKAPHNC
86
HNC
96
APHBrumItu CTALirio d'águaFarm SPOrdem%
Lycopodium17.68.36.613.84.74.25.460.613.6
Arsenicum 4.34.75.97.64.56.66.92.743.29.7
Sulphur12.210.53.96.63.53.23.243.19.7
Pulsatilla nig.8.35.94.85.47.66.92.741.69.3
Phosphorus14.15.16.66.32.42.74.141.39.3
Calcarea 4.54.95.93.96.2429.46.6
Lachesis5.94.77.54.13.525.75.8
Nux vomica5.44.65.95.62.724.25.4
Natrum mur.4.86.93.58.924.15.4
Silicea11.62.93.5184
Ignatia 4.94.63.813.33
Sepia 6.46.913.32.9
Kali carb.10.710.72.4
Arnica mont.5.73.59.22.1
Baryta carb.7.67.61.7
Belladonna6.96.91.5
Causticum3.33.26.51.5
Thuya occ.2.72.75.41.2
Natrum carb. 4.44.41
Chamomilla4.24.20.9
Nitric acidum3.53.50.8
Pulmo hist.3.53.50.8
Carcinosinum3.33.30.7
Mercurius sol.3.23.20.7
TOTAL90.661.251.954.743.264.156.633.9446.2100

A comparação entre os 8 serviços ou situações estudadas, a partir dos dados disponíveis, leva-nos aos 10 medicamentos mais prescritos para uma amostra maior. Nela percebemos que Lycopodium clavatum e Sulphur aparecem entre os 10 medicamentos mais prescritos exceto na Farmácia Lírio D’Água, cujos dados peculiares nos alertaram para a necessidade de pesquisa em uma amostra mais aleatória.

Em relação às potências mais prescritas, podemos observar na TABELA 2 esta comparação entre os medicamentos indicados nos diversos serviços estudados.

TABELA 2: comparação entre os resumos das potências mais utilizadas nos diversos serviços de atendimento médico homeopático estudados.

PotênciaHNC96APHBrumadItú CTALirio d'águaFarm SP% total
619.16.828.724.419.133.622
97.916.55.87.96.4
1210.513.310.55.96.7
1810.510.510.55.3
302910.519.9182921.821.3
403.80.6
2009.55.211.64.4
10004.33.82.71.8
100004.90.7
Outras236422.1282324.430.8
TOTAL100100100100100100100

Da mesma forma como foi elaborada uma tabela para comparação entre as substâncias e potências mais prescritas, pode-se repetir o estudo para verificar a comparação entre as formas farmacêuticas (TABELA 3), número de doses (TABELA 4) e escalas/métodos mais prescritos (TABELA 5).

TABELA 3: comparação entre as freqüências das formas farmacêuticas mais utilizadas nos diversos serviços de atendimento médico homeopático estudados.

Forma farmac.HNC
86
HNC
96
APHBrum.Itú
CTA
Lirio d'águaFarm SPSto. AmaroIAKAP
Liq.17.271.7?25?67.150.9100100
Glób.77.821.1?67?2646.200
Não espec.07.2?8?6.92.900
TOTAL100100-100-100100100100

? = não foi possível registrar a forma farmacêutica nas fichas clínicas estudadas relativas aos medicamentos prescritos na APH e no CTA de Itú.

TABELA 4: comparação entre as freqüências do número de doses mais utilizadas nos diversos serviços de atendimento médico homeopático estudados.

No. dosesHNC
86
HNC
96
APHBrum.CTA ItúLirio d'águaFarm SPSto. AmaroIAKAP
Múltipla5571.754.896?7.554.8100100
Única4528.319.54?92.545.200
Não espec.0025.78?0000
TOTAL100100100100-100100100100

? = não foi possível identificar o número de doses nas fichas clínicas estudadas relativas aos medicamentos prescritos no CTA de Itú.

TABELA 5: comparação entre as freqüências das escalas/métodos mais utilizados nos diversos serviços de atendimento médico homeopático estudados.

Escala/
Método
HNC
96
APHBrum.Itú CTALirio d'águaFarm
SP
Sto. AmaroIAKAP
Centes.98.657.896.896.710057.800
LM1.439.82.904.7100100

Portanto, considerando apenas os serviços e locais estudados, poderíamos afirmar que os medicamentos Lycopodium clavatum, Pulsatilla nigricans, Arsenicuma album, Sulphur, Phosphorus, Lachesis, Calcarea carbonica, Nux vomica, Natrum muriaticum e Ignatia amara, nas potências centesimais 6CH e 30CH, forma farmacêutica líquida e em doses repetidas, foram os medicamentos mais prescritos e poderiam compor a Lista Básica de Medicamentos Homeopáticos. Esta generalização porém deve ser verificada cuidadosamente, já que não se mostrou adequada, por exemplo, ao atendimento realizado na Farmácia Lírio D’Água (92,5% de doses únicas) e ainda à IAKAP e Santo Amaro da Imperatriz (100% das prescrições em escala cinquenta-milesimal). Até que uma relação de medicamentos seja confirmada através do estudo de um maior número de prescrições, ou ainda, que se estabeleçam critérios e Relações Básicas, aceitos pelos prescritores dos medicamentos homeopáticos nos serviços públicos de saúde, deve haver sempre confirmação dos medicamentos acima propostos, através de estudos regionais.

V – Discussão:

A Organização Mundial de Saúde (OMS) elaborou, em 1977, a primeira Lista Modelo de Medicamentos Essenciais, com o objetivo de satisfazer as necessidades de atenção à saúde da maior parte da população. Estes medicamentos deveriam estar disponíveis em quantidades suficientes e nas formas farmacêuticas adequadas. No Brasil foi instituída a RENAME, Relação Nacional de Medicamentos Essenciais1, prevista desde a instituição da Central de Medicamentos (CEME), que tinha como objetivo estar inteiramente voltada à promoção e organização do fornecimento de remédios àqueles que, por suas condições econômicas, não pudessem adquiri-los aos preços vigentes. Deviam compor esta Relação de drogas de maior eficácia e menor toxicidade, que tivessem produção, custo e distribuição compatíveis com as condições do país. (33).

O Programa de Assistência Farmacêutica da CEME tinha como proposta principal atender à população carente de recursos, para que, após o atendimento médico, ela contasse com a possibilidade de receber gratuitamente o medicamento necessário à sua recuperação e volta à produtividade. Os objetivos desse Programa eram os seguintes (33):

1. disciplinar a aquisição de produtos farmacêuticos no sistema oficial da saúde;
2. orientar prioridades para a produção interna de matérias primas farmacêuticas;
3. desvincular o receituário de marcas e fabricantes, introduzindo a idéia dos medicamentos genéricos;
4. atingir maior rentabilidade, com grandes aquisições centralizadas;
5. manter medicamentos eficazes, seguros e de ampla cobertura, para prevenção e tratamento de patologias mais freqüentes;
6. facilitar a atuação da Vigilância Sanitária;
7. diminuir custos dos medicamentos, sem propaganda ou embalagens sofisticadas;
8. adequar oferta de medicamentos às patologias;
9. facultar o controle de preços (33).

Propostas de estudo sobre o uso de medicamentos, como o Programa de Ação sobre Drogas Essenciais da OMS, para melhorar a disponibilidade e tornar racional o uso destas drogas para a população, não têm suas recomendações facilmente aplicáveis. A disponibilidade de medicamentos está longe de ser atingida e o uso inadequado das drogas, ainda é regra. Considera-se que mais pesquisas são necessárias para fornecer ferramentas que melhorem o método de prescrição, dispensação e utilização dos medicamentos (35,36).

Para estabelecer uma seleção dos medicamentos essenciais, deve-se ter em conta os seguintes critérios:

1. a relação de benefício/risco;
2. possibilidade de simples entendimento do modo de administração do medicamento, e conseqüente obediência do paciente à prescrição;
3. facilidade de produção, distribuição, conservação, dispensação, armazenamento, transporte;
4. custo compatível do tratamento;
5. princípio ativo ser de produção interna;
6. incidência das patologias;
7. hábitos regionais.

Examinando a nova RENAME, de 1999, percebemos que os medicamentos homeopáticos não preenchem principalmente os critérios número 1 e 5, isto é:

• possuir comprovação de valor terapêutico, com suficientes informações clínicas sobre a atividade terapêutica e farmacológica;
• não haver informações suficientes sobre a biodisponibilidade e características farmacocinéticas.

Já os itens 3, 4 e 9.1 podem ser facilmente adaptados para os medicamentos homeopáticos, pois estes:

• têm composição conhecida, com somente um princípio ativo;
• os nomes dos princípios ativos estão de acordo com uma nomenclatura comum;
• apresentam comodidade para administração aos pacientes.

Os medicamentos homeopáticos atendem os critérios 2, 6, 7, 8, 9 e 10, isto é:

• têm baixa toxicidade;
• são estáveis;
• apresentam um menor custo geral, mantendo sua qualidade;
• menor custo do tratamento/dia e custo total do tratamento;
• não requerem necessariamente formas farmacêuticas, apresentações e dosagens especiais conforme a faixa etária;
• apresentam facilidade para cálculo da dose a ser administrada, assim como de fracionamento ou multiplicação das doses;
• ao menos teoricamente, suprem completamente as necessidades da maioria da população.

Portanto, verificamos se os maiores desafios para os medicamentos homeopáticos serem utilizados largamente para populações é a comprovação do seu valor terapêutico, além de informações sobre biodisponibilidade e características farmacocinéticas. De nada adianta ter baixo custo e toxicidade, se sua eficácia não é comprovada. Torna-se necessário, portanto, que estudos neste sentido sejam realizados prontamente.

A nova RENAME deve ser a base para elaboração de listas estaduais e municipais. Deve estar inserida no planejamento das instituições e ser difundida para os prescritores.

CAVALCANTI ressaltou que

“(….)a RENAME aponta para a racionalização do consumo de medicamentos, excluindo produtos ineficazes, supérfluos e que impliquem em riscos aos usuários. …. significa um mecanismo importante para a nova conceituação do comportamento prescritor do médico, que ao consultá-la, encontrará uma relação criteriosa de medicamentos, que o afastará da incômoda posição de cliente dos laboratórios farmacêuticos e da prática do uso irracional de medicamentos, libertando o receituário da dependência dos produtos de marca e da propaganda da indústria” (10).

Afirmou ainda que 86% dos insumos utilizados na fabricação de produtos farmacêuticos são importados, criando dependência e maiores custos para o país (10). O Brasil constitui-se como um dos 5 maiores mercados farmacêuticos do mundo, sendo que a maioria dos produtos farmacêuticos mais vendidos tem esta condição às custas de campanhas milionárias de pressão sobre a prescrição, a dispensação ou a compra pela população (9).

A dificuldade para manter fundos necessários para a assistência à saúde é encontrada no mundo inteiro, especialmente em cenários de mudanças econômicas. Esta dificuldade é ainda maior nos países em desenvolvimento, porém mesmo aqueles com mais recursos vêm seus gastos em saúde aumentando freqüentemente. É fácil perceber a importância que a Farmacoeconomia2 apresenta neste panorama. Os custos relativos aos medicamentos podem ser divididos em:

• diretos, relativos aos produtos e serviços;
• indiretos, que consideram também os efeitos clínicos, os aspectos econômicos e humanitários (30).

REIS cita o estudo de Johnson e Bootman sobre a morbidade e mortalidade relacionadas a medicamentos que indicam como um problema sanitário de extrema relevância, com gastos estimados em U$ 76,6 bilhões anuais nos Estados Unidos, além de 200.000 mortes e 9 milhões de internações. A pesquisa dos resultados econômicos e humanitários da terapia medicamentosa é um campo relativamente novo. A seleção apropriada de medicamentos, a prevenção de complicações resultantes de terapias medicamentosas agressivas e a redução do uso inadequado de produtos farmacêuticos podem diminuir os custos totais de forma mais importante do que a simples redução de compra de medicamentos (30).

Quatro métodos de avaliação econômica podem ser utilizados para o estudo dos medicamentos:

1. análise de redução de custos, aplicada quando 2 ou mais alternativas oferecem o mesmo resultado terapêutico, podendo-se escolher a alternativa mais barata para reduzir os gastos.
2. análise de custo-efetividade, utilizada quando os resultados são medidos em unidades não monetárias, como redução de pressão sangüínea, de dias de internação, etc.
3. análise de custo-benefício, quando a comparação é feita tanto em função do custo financeiro, quanto dos resultados.
4. análise de custo-utilidade, quando os resultados são medidos através de indicadores como índices de qualidade de vida, por exemplo (30).

SOARES, estudando aspectos antropológicos farmacêuticos, considera que

“(….) os medicamentos não existem em si mesmos, mas adquirem significados e funções diversas, de acordo com o contexto político, econômico, social e cultural em que são utilizados, e devem ser analisados por causa de sua dinâmica nos processos sociais (32).”

A Antropologia Farmacêutica estuda também a percepção que a população tem acerca dos medicamentos e as alterações nesta percepção; os significados para os pacientes, profissionais de saúde e população em geral dos medicamentos e suas relações com conceitos de saúde/doença e de cura; a percepção sobre eficácia e riscos, etc. É um campo a ser estudado, que poderia trazer informações interessantes sobre como o medicamento e a terapêutica homeopática são vistos pela população (32).

Todos estes conceitos foram elaborados para medicamentos alopáticos, porém aplicam-se também ao homeopático. Como tanto a assistência médica quanto o fornecimento de medicamentos homeopáticos já constam de programas oficiais nos serviços públicos de saúde, a população deveria ter acesso ao medicamento necessário à prática dessa terapêutica. Esta é uma recomendação também da Proposta de Implantação de uma Unidade-piloto na Rede Pública do SUS e do V Forum Nacional de Homeopatia na Rede Pública, ambos da Comissão de Saúde Pública da AMHB: o medicamento deve estar disponível, seja em farmácia local, conveniada ou na forma de estoque no serviço (4,13).

Partindo dos critérios considerados para inclusão de uma nova droga na RENAME, podemos comparar com a situação específica para a Homeopatia (QUADRO 3):
QUADRO 3: enquadramento da Homeopatia em relação aos requisitos para inclusão de uma nova droga na RENAME.

[table “9” not found /]

O ponto que parece dificultar o estabelecimento de Relações Básicas de Medicamentos Homeopáticos é a grande variação observada nas prescrições, relacionada com a individualização, que é própria da Homeopatia. Quando consideramos os medicamentos homeopáticos, devemos lembrar que a aplicabilidade da divisão dos medicamentos entre aqueles ambulatoriais e os de urgência, depende do tipo de atendimento clínico, da formação homeopática do médico.

O Programa de Ação sobre Drogas Essenciais da OMS, apresenta o conceito “dos 10 medicamentos mais indicados” e do índice de diferentes drogas prescritas sobre o número de consultas, o que fornece o grau de polifarmácia. KAYNE tem apresentado trabalhos sobre os “10 medicamentos homeopáticos mais utilizados” (21).

Conjuntos de medicamentos para emergências domésticas (“kits” ou “farmacinhas”), sugeridos por diversos autores, podem fornecer uma idéia inicial dos mais utilizados. Outras relações a serem lembradas são aquelas que constam como Lista Básica de Medicamentos Homeopáticos em Anexos das edições da Farmacopéia Homeopática Brasileira, além daquelas de legislações específicas para a Homeopatia e a relação dos medicamentos policrestos.

MOREIRA NETO, estudando amostra de 45 pacientes, todos com problemas respiratórios, encontrou a indicação de 20 medicamentos homeopáticos diferentes, sendo que 7 deles totalizaram 49% das prescrições. Nota-se que, apesar das dificuldades, existe a possibilidade de elaborar Listas de Medicamentos Homeopáticos, para determinadas faixas etárias ou para patologias específicas, ainda que as listas dependam do método utilizado pelo clínico para prescrever (26).

Considerando todos os dados obtidos na pesquisa desta tese, podemos afirmar que devem constar numa Lista de Medicamentos Homeopáticos Básicos: Lycopodium clavatum, Pulsatilla nigricans, Arsenicum album, Sulphur, Phosphorus, Lachesis, Calcarea carbonica, Nux vomica, Natrum muriaticum e Ignatia amara, responsáveis provavelmente por mais da metade das prescrições. A estes, pode-se somar certamente Arnica montana, Belladonna, Sepia succus, Causticum, Silicea, Thuya occidentalis e talvez ainda Baryta carbonica, Chamomilla, Nitric acidum, Pulmo histaminum e Carcinosinum. De qualquer forma é importante lembrar que este é um resultado estatístico. A Homeopatia busca individualizar o tratamento. Portanto, listas básicas devem ser consideradas pontos de partida; devem ser adequadas e revistas quanto à faixa etária, às patologias da população, e à sazonalidade.

Em relação ao pagamento do medicamento no ato de seu recebimento, os responsáveis por alguns dos serviços estudados afirmaram que a população aceita o fato de não receber os medicamentos gratuitamente, tendo que adquirí-los, e que continuaria freqüentando os serviços, ainda que passasse a pagar pelos remédios, talvez refletindo a resignação de receber, ao menos, parte do atendimento gratuitamente.

Outro ponto é que o modelo de atendimento homeopático em nosso país é fundamentado na figura do médico homeopata. Portanto, antes de mais nada é necessário termos o clínico; o medicamento aparece como conseqüência. Alguns responsáveis por serviços homeopáticos referenciaram desde a impossibilidade do atendimento médico sem fornecimento dos medicamentos, até uma queda na freqüência ao atendimento, em épocas em que este abastecimento faltou. Farmácias homeopáticas envolvidas com os serviços públicos têm fornecido medicamentos a preços reduzidos, e até gratuitamente, de forma que os pacientes carentes tenham acesso aos medicamentos homeopáticos que lhes foram prescritos. Mesmo sendo louvável a contribuição social das farmácias, existe um aspecto que passa por uma “solução pessoal” de problemas de comunidades, evidenciando a fragilidade existente para a plena implantação do atendimento homeopático.

O custo médio dos medicamentos durante o tratamento homeopático no CS-GPS, local do estudo-piloto, foi de R$2,89 por consulta. Apesar de não dispormos de dados comparativos para medicamentos alopáticos, podemos considerá-lo acessível (26).

Este custo mais baixo do tratamento homeopático é especialmente importante se considerarmos dados do IBGE, no estudo de famílias das regiões Sudeste e Nordeste do país, sobre os gastos para a compra de medicamentos constituírem quase 90% das despesas mensais destinadas à saúde. Na região Nordeste, o gasto sobe a 93%, sendo o restante dividido entre consultas médicas, internações hospitalares e exames variados (1).

Mesmo entre os pacientes que têm acesso aos serviços públicos de saúde, muitos têm que pagar pelos medicamentos, além de existir uma alta incidência de automedicação em nosso país. Já que os gastos com saúde crescem com a idade, e sabendo-se que existe um aumento da vida média do brasileiro, a conseqüência será um maior número de pessoas, despendendo durante um maior número de anos, um valor cada vez maior, para adquirir medicamentos. Se este valor for diminuído, pela substituição por medicamentos mais baratos, haverá uma importante economia para a população, especialmente a de baixa renda. Esta é uma contribuição importante que pode advir da utilização de medicamentos homeopáticos.

ULLMANN, sanitarista americano, cita relatório da Seguridade Social francesa de 1991, mostrando que o serviço médico homeopático custava aproximadamente 50% do valor do serviço médico convencional. O valor dos medicamentos homeopáticos era menos que um terço quando comparado com os alopáticos. O Hospital Homeopático de Bristol, na Inglaterra, que atende a 3.000 pacientes ao ano, tem um custo total da farmácia de US$23.000,00. O custo médio da prescrição foi de US$5,13 incluindo as despesas de pessoal. Considerando apenas o custo direto do medicamento, este valor diminuía para US$2,50, atingindo, no mínimo, 40% menos do que o necessário para ressarcir qualquer outro tipo de medicamento na Inglaterra (34).

Para ilustrar como o aspecto “quantidade de medicamento” pode ser ponderado de forma diversa quando consideramos medicamentos homeopáticos, tomemos da história a referência de MURE, introdutor da Homeopatia em nosso país, que afirmava iniciar o tratamento de lotes inteiros de escravos com apenas 1 glóbulo de medicamento dissolvido em 1 litro de água, e distribuído em pequenas colheradas a todos os doentes. E acrescentava:

“…. a grande massa de clínicos gerais elegem um meio-termo e declaram com aquela empáfia, que as vezes chamamos de bom-senso popular, que todas as diluições eram indiferentes e, desde que o medicamento fosse verdadeiramente homeopático poder-se-ia – cada qual conforme melhor lhe aprouvesse – empregar qualquer diluição começando-se pela tintura-mãe, e terminar onde Deus quisesse. Essa estranha opinião foi não só propalada, como reproduzida de incontáveis maneiras. Por mais surpreendente que possa parecer, senhores, ela ainda é hoje em dia o apanágio de 75% dos clínicos homeopáticos” (27).

Seguindo o raciocínio e a técnica de MURE, o custo dos medicamentos homeopáticos poderia tornar-se fator desprezível, e portanto de máxima importância quando de sua utilização em serviços públicos. É claro que farmácias homeopáticas privadas são estabelecimentos que devem obedecer a critérios de qualidade e padronização de produção, embalagem e rotulagem, impostos pela legislação sanitária, que especificam rigidamente as potências dos medicamentos e agregam custos ao seu produto, além do lucro inerente do negócio. Porém compreende-se que, uma vez que a dinamização – isto é, o desenvolvimento do poder medicamentoso das substâncias – é realizada através de diluições, farmácias de manipulação bem administradas, pertencentes a serviços públicos homeopáticos, podem produzir medicamentos homeopáticos com custos muito baixos, quando comparadas com aquelas que dependam da presença material das substâncias ativas.

Quando analisamos os requisitos para enquadramento de drogas na RENAME, verificamos que dois pontos podem dificultar a inclusão dos medicamentos homeopáticos: comprovação de sua eficácia clínica, e dificuldades para estabelecer especificações e métodos de Controle de Qualidade. Com certeza, estes aspectos têm prejudicado a aceitação desta terapêutica entre os praticantes da Medicina alopática, com reflexos sobre os responsáveis pela administração dos serviços públicos de saúde.

A estes poderíamos somar ainda a eficiente ação de marketing da indústria farmacêutica, que tem como consequência dificultar espaço para a divulgação de outras formas terapêuticas. Em princípio, o fato do medicamento homeopático poder ser classificado como genérico, não possuindo marcas ou nomes fantasia, classifica-o como um alvo pouco interessante para a indústria farmacêutica, diminuindo custos e a imposição de prescrições geradas por propaganda. Ainda que a maioria das substâncias de origem dos medicamentos seja importada, é necessária uma quantidade diminuta delas, que passam a ser elaboradas com veículos e diluentes produzidos em nosso país.

A necessidade de uma consulta mais longa requerida pelo homeopata, ainda que favorável ao paciente, é um aspecto que prejudica a cobertura de atendimento médico da população, sendo pouco apreciada pelos coordenadores dos serviços, ainda que a médio prazo, a Homeopatia venha a economizar verbas. A AMHB preconiza 2 consultas homeopáticas por hora, enquanto que os alopatas atendem a 4 pacientes por hora (4,13,16).

Em relação à comprovação de atividade clínica, podemos citar, entre outros, trabalhos de BASTIDE. Sua pesquisa demonstra, de forma reprodutível, a ação de substâncias extremamente diluídas, em organismos vivos, fornecendo evidências experimentais do observado na prática dos clínicos homeopatas (8). Existem ainda diversos artigos sobre casos clínicos publicados em revistas internacionalmente reconhecidas, assim como apresentados em cursos e congressos. Trata-se porém de descrições de um valor secundário, quando o objetivo é propor o tratamento homeopático para populações (16,17,23,28,29).

Trabalhos clínicos realizados em grupos de indivíduos são menos freqüentes, sendo que podemos citar o de MOREIRA NETO, que utilizou um sistema de graus para classificar a evolução clínica da clientela, demonstrando que a partir da 3a. consulta até a 9a. foi observada melhora e/ou desaparecimento de sintomas em cerca de 70% da população atendida. Na 10a. consulta, esta freqüência passou a ser de 90%. A partir da 5a. consulta não mais foi observada piora dos sintomas (26).

Com certeza, a Homeopatia beneficiar-se-ia de uma maior quantidade de trabalhos deste tipo, que poderiam até mesmo comparar grupos semelhantes, tratados por terapêuticas distintas, em um mesmo serviço.

Em relação à discussão sobre a qualidade do medicamento homeopático, temos tanto o aspecto de avaliação ligado à sua atividade clínica, quanto aqueles relacionados à sua produção.

Existiriam diferenças relacionadas à ação entre medicamentos produzidos por diferentes farmácias ou laboratórios industriais homeopáticos? Respondendo a esta pergunta, ULLMANN afirmou que os medicamentos homeopáticos são geralmente considerados como genéricos, já que supostamente são feitos da mesma forma. Podem porém existir diferentes níveis de qualidade e, uma vez que não existem levantamentos que comparem os padrões de fabricação, os homeopatas tendem a comprar medicamentos homeopáticos de empresas que estão no mercado há longo tempo (34). Este argumento não é uma garantia absoluta de que o medicamento apresente uma boa atividade clínica, ainda mais quando lembramos que esta atividade depende não só de aspectos do preparo, mas essencialmente da correta indicação do medicamento.

Alguns autores têm questionado a qualidade dos medicamentos homeopáticos, especialmente em função de suas substâncias de origem. ADLER acrescenta mesmo que a pesquisa clínica poderia obter benefícios, possibilitando a comparação dos resultados clínicos, se ocorresse a padronização farmacêutica (2,5,6,7,15,19).

Diferente do medicamento alopático, quase todo ele produzido por grandes indústrias farmacêuticas transnacionais, e submetido a rígidas especificações técnicas e métodos de Controle de Qualidade, em nosso país o medicamento homeopático é produzido em farmácias, e não é, nem pode ser controlado em sua forma final, mas apenas em relação às suas matérias primas e processo de fabricação. A padronização do preparo do medicamento necessita aperfeiçoamento, ainda que novas resoluções da Agência Nacional de Vigilância Sanitária venham a estabelecer normas e Roteiros de Inspeção para estes estabelecimentos (3).

Especificações para as substâncias de partida, sejam elas vegetais, animais ou minerais, bem como das tinturas-mãe, e ainda das substâncias inertes utilizadas como veículo ou diluente, e aquelas do processo de fabricação são todas possíveis de ser estabelecidas, seja com o auxílio das Farmacopéias Homeopáticas ou outras fontes bibliográficas. O produto final, entretanto, freqüentemente bastante diluído, só pode beneficiar-se de especificações e métodos de Controle de Qualidade que podemos considerar como fundamentados em exclusões. Assim, por exemplo, uma solução alcoólica de Chamomilla 30CH pode ter seu teor alcoólico, sua coloração e sua transparência medidos, seu sabor e odor avaliado, e acima de tudo, deve ser incolor e translúcida. Nenhum destes parâmetros garantem, porém, tratar-se de 30 diluições feitas na proporção de 1:100, a partir de uma tintura-mãe da parte indicada da planta correta, cultivada e coletada de maneira adequada. Este fator, torna a confiança no produtor do medicamento homeopático, no caso o farmacêutico, um aspecto da maior importância. Em resumo, o controle se dá através das matérias primas de origem, dos veículos e excipientes inertes, e do controle do processo, e em todos estes passos a atividade farmacêutica é imprescindível.

Na maior parte dos serviços estudados, notou-se fragilidades em sua estrutura. Tratando-se de serviços públicos, pontos mais frágeis existem também para aqueles de atendimento médico alopático, que dependem de decisões políticas. Porém, uma vez que a Homeopatia já apresenta aspectos anteriormente apontados que dificultam sua implantação, esta dependência torna-a ainda mais susceptível. É aí que têm lugar as soluções individuais, como a grande dedicação observada pelos coordenadores e profissionais que participam dos diversos serviços estudados. São médicos e farmacêuticos que viajam dezenas de quilômetros para atender em um local onde existe empenho para a implantação e manutenção da Homeopatia; farmácias que doam medicamentos a pacientes carentes. O sucesso dos serviços parece depender da persistência, do empenho, quase da devoção e da paixão dos envolvidos. É claro que todos os serviços, médicos ou não, observam melhores resultados se existe dedicação, mas este aspecto parece ser mais importante para a implantação e o bom andamento de serviços homeopáticos.

Mesmo após termos apontado estas dificuldades, que podem prejudicar sua plena aceitação, afirmamos que a Homeopatia preenche suficientemente os critérios necessários para adoção pelo sistema público. Esta adoção já está garantida desde 1988, quando da publicação da CIPLAN 4. Naquela época, existia a idéia de produção centralizada de medicamentos para fornecimento gratuito aos serviços de saúde, a partir de uma relação com 60 substâncias dinamizadas na 30CH, apresentadas na forma líquida. No ano seguinte, a CIS/SP aprovou Contrato de Prestação de Serviços de Aviamento de Receitas Homeopáticas e garantiu o fornecimento gratuito de medicamentos aos serviços públicos da época, através do estabelecimento de convênios com farmácias. Estes dados mostram existir, da parte do governo, a preocupação com o fornecimento do medicamento homeopático aos serviços de saúde.

Outro ponto já considerado é que a população aceita e aprecia o atendimento médico homeopático. Seu custo é acessível e pode tratar uma ampla variedades de patologias, crônicas e agudas, que acometem as comunidades. MOREIRA NETO, estudando um dos serviços desta pesquisa, concluiu que o atendimento homeopático em Unidade Básica de Saúde (UBS) é viável, com utilização da própria estrutura física e pessoal do Centro de Saúde, custo adequado, e satisfação e confiança da clientela. Finalmente, afirma que a Medicina Homeopática deve ser implantada em um maior número possível de unidades do SUS (25,26).

As fichas clínicas constituem-se em importante ferramenta para coleta e estudo de dados de atendimento homeopático. Sua importância deve ser ressaltada, e estimulada sua discussão, estudo e correto preenchimento. Existe um grupo preocupado com este aspecto na AMHB, que discute o tema e apresenta propostas em fóruns realizados em congressos nacionais e internacionais.

VI – Conclusões:

Após a realização da pesquisa e discussão acima efetuada, podemos concluir que:

  1. A Homeopatia preenche suficientemente os critérios necessários para sua adoção pelo sistema público, embora alguns fatores possam dificultar sua plena aceitação. A comprovação de eficácia deve ser melhorada. Da mesma forma o desenvolvimento de métodos de Controle de Qualidade seria uma medida importante.
  2. Deve haver fornecimento do medicamento homeopático, através de estoque de medicamentos, farmácia estabelecida no local do atendimento médico ou ainda farmácia conveniada, situada próxima ao serviço, e sendo o medicamento financiado pelo custeio coletivo.
  3. É possível montar uma lista básica com um número limitado de medicamentos, com potência, escala, forma farmacêutica e posologia definidos, para atendimento de um grande número de patologias, inclusive doenças crônicas.
  4. Os sistemas públicos de atendimento homeopático são frágeis, tanto por serem públicos, e mais especialmente por serem homeopáticos.
  5. A base de dados disponível através das fichas clínicas, apesar de ser excelente fonte de informações sobre o atendimento homeopático, é fraca, e deve ser melhorada. É importante que o clínico tenha consciência e cuidados com esta importante ferramenta para o estudo da Homeopatia.

VII – Recomendações:

Considerando as conclusões da pesquisa, propomos as seguintes recomendações:

  1. Que sejam desenvolvidas listas básicas de medicamentos homeopáticos por órgãos responsáveis por propostas de implantação de políticas de saúde em serviços de atendimento médico homeopático.
  2. Que os sistemas públicos de atendimento homeopático sejam fortalecidos; que sejam avaliados através de critérios que levem em consideração suas características, possibilitando sua manutenção, apesar de alterações políticas.
  3. Que sejam realizados mais estudos sobre a eficácia clínica de tratamento homeopático em populações, bem como sobre a utilização do medicamento homeopático.
  4. Que a importância dos dados armazenados em fichas clínicas seja enfatizada junto aos médicos, veterinários e cirurgiões-dentistas, incentivando-os a melhorar sua qualidade e organização, a fim de serem utilizados em pesquisas necessárias para a melhor compreensão dos tratamentos homeopáticos e aceitação desta terapêutica.

VIII – Referências Bibliográficas:

1. [Anonymus] Folha de São Paulo 1998 ago 26.
2. Adler UC et al. Técnicas de dinamização. Divergências e necessidade de padronização. Revista de Homeopatia (São Paulo) 1992; 57(1-4):24-8.
3. Agência Nacional de Vigilância Sanitária. Resolução RDC n 33, de 19 de abril de 2000. Diário Oficial da União 2000; 24 de abril.
4. Associação Médica Homeopática Brasileira. Comissão de Saúde Pública. Proposta para implantação de atendimento homeopático na rede pública. Revista de Homeopatia (São Paulo) 1995; 60 (2): 35-9.
5. Barthel P. Das Vermächtnis HAHNEMANNs – die Qualität der Homöopathischen Arznei. Zeitschrift für klassische Homöopathie. Trad. ingl. A.R.Meuss, FIL, MTA; 1993.
6. Barthel P. O legado de HAHNEMANN: as potências Q (LM). Revista de Homeopatia (São Paulo) 1993; 58(1):13-23.
7. Barthel P. O legado de HAHNEMANN: ascenção e queda de Bryonia alba. Revista de Homeopatia (São Paulo) 1994; 59(1):37-9.
8. Bastide M, editora. Signals and Images. Dordrecht: Kluwer; 1997.
9. Bermudez J. Medicamentos e assistência farmacêutica na agenda da Saúde. Boletim SOBRAVIME 25, abril junho 1997, pág. 7.
10. Cavalcanti JRH. Um olhar sobre a Rename 97. Boletim SOBRAVIME 25, abril junho 1997, pág. 6-7.
11. Cesar AT, Casellato CM. Considerações estatísticas sobre receitas aviadas durante dois meses em uma farmácia homeopática de São Paulo [Apresentado como tema livre no Congresso Brasileiro de Homeopatia; 1986; São Paulo]
12. Cesar AT. Estudo de prescrições em farmácias homeopáticas da cidade de São Paulo [Apresentado no Congresso Brasileiro de Homeopatia; 1998 nov; Gramado, Brasil].
13. Comissão de Saúde Pública da Associação Médica Homeopática Brasileira. V Forum Nacional de Homeopatia na Rede Pública [Apresentado no Congresso Brasileiro de Homeopatia; 1998 out 29; Gramado, Brasil].
14. Comissão Interministerial de Planejamento e Coordenação. Resolução no. 4 de 8/3/88: implanta a prática da Homeopatia nos serviços públicos de saúde. Diário Oficial da União, Brasília. 1988; 11 mar., p. 3996.
15. Dellmour F. A importância da trituração C3 no preparo de medicamentos homeopáticos. Revista de Homeopatia (São Paulo) 1994; 59(2):41-5.
16. European Committee for Homoeopathy. Homoeopathy in Europe. 1994.
17. Fisher P, Greenwood A, Huskisson EC, Turner P, Belon P. Effect of homoeopathic treatment on fribrositis (primary fibromyalgia). Br Med J. 1989; 299:365-6.
18. Froede C. A Homeopatia no Serviço de Saúde Pública de Brumadinho. São Paulo; [Monografia para conclusão do curso de Especialização em Farmácia Homeopática na Associação Paulista de Homeopatia].
19. Gurdjons B. O preparo de remédios homeopáticos autênticos. Revista de Homeopatia (São Paulo) 1995; 60(1):36-8.
20. IAKAP. Manual Clínico do ambulatório Médico Hahnemanniano. São Paulo: Robe; 1993.
21. Kayne, SB. Homoeopathic Pharmacy. An introduction and handbook. Edinburgh: Churchill Livingstone; 1997.
22. Kishore J. Homeopathy: the Indian experience. World Health Forum 1983; 4:105-7.
23. Kleijnen J, Knipschild P, Riet G. Clinical trials of homoeopathy. Br Med J 1991; 302:316-23.
24. Maravieski M. A Homeopatia e a saúde do escolar. Florianópolis, 1997. [Apostila].
25. Mendicelli VLSL. Homeopatia: percepção e conduta de clientela de postos de saúde. São Paulo; 1994. [Tese de doutorado – Faculdade de Saúde Pública da USP].
26. Moreira Neto G. Homeopatia em Unidade Básica de Saúde (UBS): um espaço possível. São Paulo; 1998. [Dissertação de mestrado – Faculdade de Saúde Pública da USP].
27. Mure B. Patogenesia Brasileira. São Paulo: Roca; 1999.
28. Reilly D, Taylor MA, Beattie NGM, Campbell JH, McSharry C, Aitchison TC, Carter R, Stevenson RD. Is evidence for homeopathy reproducible? Lancet 344 (December 10): 1601, 1994.
29. Reilly DT, Taylor MA, McSharry C, Aitchison T. Is homoeopathy a placebo response? Controlled trial of homoeopathic potency, with pollen in hayfever as model. Lancet 1986; ii:881-5.
30. Reis A O valor do uso racional de medicamentos. Boletim SOBRAVIME 25, abril junho 1997, pág. 10-11.
31. Schiff M. Un cas de censure dans la science. L’affaire de la mémoire de l’eau. Paris: Albin Michel, Paris;1994.
32. Soares JCRS. Antropologia farmacêutica: campo a ser constituído no país. Boletim SOBRAVIME 25, abril junho 1997, pág. 15-16.
33. SOBRAVIME – Sociedade Brasileira de Vigilância de Medicamentos. Boletim 1998; 28:1-4.
34. Ullmann D. The consumer’s guide to homeopathy. New York: Tarcher Putnam; 1995.
35. World Health Organization. Cómo investigar el uso de medicamentos en los servicios de salud.
36. World Health Organization. How to investigate drug use in communities. Geneve; 1992.