UM DIA DE SANITARISTA

Apesar de ter feito o curso de especialização em Saúde Pública antes mesmo de começar com a farmácia homeopática, por razões de como a vida foi acontecendo, nunca pude exercer esta atividade de forma mais plena, a não ser na assistência farmacêutica realizada dentro da farmácia homeopática. Não se trata de indicação de medicamentos, mas sim de aproveitar todas as disciplinas como Materno-Infantil, Nutrição, noções de Oftalmologia, Dermatologia Sanitária e tantas outras. Compreensão e orientação básica de saúde para meus clientes.

A Saúde Pública foi o caminho para chegar até a Homeopatia: o fato de prever a atuação de agentes, hospedeiro e meio ambiente para o desenvolvimento de uma doença, mesmo sem considerar a Lei da Semelhança, já nos distancia da visão tradicional do motivo de adoecermos.

Um convite, porém, da Dra. Margarida Vieira, homeopata de Florianópolis, trouxe novas oportunidades. A idéia era administrar Meningococcinum à população de Blumenau, já que havia a incidência de diversos casos. Primeiro, fui chamada para fornecer o Meningococcinum, como já havia ocorrido há alguns anos atrás, quando uma campanha foi realizada em municípios próximos à capital catarinense. Posteriormente, foi decidido que o ideal seria refazer o medicamento a partir de uma nova amostra de doente do local, desta epidemia. Para lá dirigiram-se dois colegas farmacêuticos, que dinamizaram material coletado de uma garota de Blumenau, que inclusive foi a óbito por meningite. Decidiu-se partir da cultura da Neisseria inativada por autoclave, para evitar acusações à Homeopatia, caso novos casos aparecessem entre aqueles que recebessem o Meningococcinum. A potência a ser utilizada seria a 30CH, em dose única de uma gota, por via oral.

Mesmo não preparando o medicamento, fui chamada para acompanhar e auxiliar no dia da campanha. Margarida e eu fomos para Blumenau na véspera, chegando bem a tempo de entrevistas coletivas com a imprensa. O secretário da saúde, médico simpatizante da Homeopatia, assim como o coordenador da campanha, homeopata, respondiam a perguntas, tentando incentivar a população a comparecer aos centros de saúde, para receber o medicamento. É claro que, no dia seguinte, diversos equívocos esperados, como chamar de “vacinação contra meningite”, apareceram nos jornais.

Logo em seguida, reunião com funcionários dos diversos centros de saúde: médicos, enfermeiros e auxiliares, todos ansiosos pelo trabalho no dia seguinte, alguns recebendo muito bem a novidade, e outros oferecendo resistência. De qualquer maneira, muitas e muitas dúvidas. Como proceder? Surgiriam efeitos colaterais? Adultos poderiam receber o medicamento? O que fazer com a vacinação de rotina?

A decisão de não divulgar esta ação com muita antecedência era para evitar a organização dos esperados opositores da Homeopatia.

Chegou o dia! Outros colegas, médicos e farmacêuticos homeopatas, chegaram de São Paulo ou de Florianópolis para ajudar! Os frascos de Meningococcinum já estavam nos centros de saúde do município, porém a informação da população era pequena, e as dúvidas dos médicos e auxiliares continuavam. O coordenador da campanha permaneceu na Secretaria da Saúde para esclarecer dúvidas, e atender imprensa, médicos e à população, pelo telefone. Um hospital central foi destacado para atender a possíveis casos de efeitos colaterais mais graves que surgissem.

Nós, os voluntários, saímos em viaturas, acompanhados por motoristas que conheciam todas as “quebradas” dos caminhos, pelo interior do município, com mais material e extrema boa vontade. Para uma paulistana foi uma experiência e tanto: campos, montanhas, uma população bonita e bem cuidada! Metade dos caminhos eram “de chão”, mas mesmo nas escolas mais distantes, as crianças estavam calçadas, bem vestidas, com aparência saudável. Creches muito simples, porém limpas e cuidadas. Que diferença para a periferia da minha cidade!

Pela manhã, era pequeno o movimento. Parávamos em todas as escolas e creches, e nos centros de saúde, com cópias do ofício do Secretário da Saúde, convocando a população. A campanha estava marcada apenas para aquele dia, e a maior parte dos diretores das escolas nos recebiam e lamentavam a dificuldade para avisar os pais dos alunos. Visávamos uma população até 20 anos, a mais vulnerável à meningite, e pedíamos que os menores de idade fossem aos serviços de saúde acompanhados dos pais ou responsáveis.

Reunimo-nos no horário do almoço, trocamos nossas experiências, fizemos uma avaliação rápida e refizemos planos. Mais escolas deveriam ser avisadas. Os frascos de medicamento já estavam acabando em algumas unidades. As viaturas já não eram suficientes e saí a pé pela cidade, para visitar algumas escolas centrais. Uma delas, coincidentemente, ao lado da Secretaria da Educação. Entrei também lá para tentar um contato, apresentando-me como “em nome do Secretário da Saúde de Blumenau”. Surpresa! Já haviam contatado a Secretaria da Educação, perguntando da tal campanha, e ficaram contentes com as informações e a cópia do ofício do Secretário da Saúde, solicitando divulgação. Repassaram fax para todas as escolas municipais, pedindo adesão.

Durante a tarde, os primeiros levantamentos indicavam que as metas iniciais já haviam sido cumpridas. O rádio e a TV locais noticiavam a “vacinação”. O telefone não parava de tocar. Decidiu-se ampliar a campanha para a manhã seguinte, dia de jogo do Brasil, quando as unidades fechariam ao meio-dia. Infelizmente tinha de voltar a São Paulo e não acompanhei pessoalmente o que ocorreu então. A população, agora avisada, queria participar. Pais saiam de seus trabalhos para levar os filhos aos centros de saúde. Moradores de municípios vizinhos iam a Blumenau. Filas enormes formaram-se, e houve muito trabalho para os funcionários. O próximo dia, uma 5ª feira, foi feriado. Foi necessário ampliar a campanha para a 6ª feira, possibilitando o preparo de mais medicamento, disponível para todos os interessados.

Uma avaliação posterior da incidência da doença parece demonstrar um menor número de casos em Blumenau, quando comparado com seus arredores. Infelizmente, com o aumento incrível da procura por parte da população, não foi possível registrar os indivíduos que receberam o Meningococcinum, prejudicando os dados para um trabalho de avaliação metodologicamente correto.

A algumas conclusões pudemos chegar: pôde-se perceber que a população aceita o medicamento homeopático, inclusive com finalidade preventiva. Por outro lado, a já esperada oposição dos médicos não homeopatas também existiu: organizaram-se contra o Secretário da Saúde, abrindo um processo contra sua iniciativa.

Em uma nova experiência, será importante considerar a necessidade de um maior número de pessoas treinadas para trabalhar em uma campanha deste tipo, diferente das tradicionais campanhas de vacinação.

Esperamos ainda poder concluir sobre a eficácia do Meningococcinum na prevenção da meningite.

Minha experiência como sanitarista, porém, foi inesquecível e agradeço muito à Margarida pela oportunidade.